segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O Complexo Jogo dos Espaços Mundiais

Valther Maestro




O Mundo está fragmentado em centenas de países, mas ao mesmo tempo, os países se agrupam a partir de interesses em comum. Esses agrupamentos, embora não deixem de refletir determinados pontos de vista sobre a dinâmica do planeta, constituem associações cujas ações concretas interferem no dia-a-dia de todas as pessoas nos diversos lugares do mundo.

Se dependesse das classificações por grau de desenvolvimento, as associações entre países só ocorreriam entre ricos e industrializados, de um lado, e pobres e subdesenvolvidos, de outro. No entanto, os países se congregam e associam em diversos organismos, com os mais diferentes objetivos, independentemente do sistema social, do poder político ou da força econômica que apresentam.

Além disso, existem também as organizações não governamentais, que a cada dia vem ganhando mais espaço no complexo jogo de poder entre os países.

No entanto, quando falamos de organizações governamentais temos que mencionar que existem: associações grandes e tradicionais como a ONU (Organização das Nações Unidas), da qual fazem parte quase todos os países do globo; e às mais recentes e regionais como a Nafta (Associação de Livre Comércio da América do Norte), que inclui apenas três países - Estados Unidos, Canadá e México; a OPEP; O MERCOSUL; A CEE,- que são inúmeros agrupamentos e blocos constituídos, assumindo os mais variados papéis e com diferentes desempenhos no intrincando jogo de relações entre os espaços mundiais. Vamos examinar a atuação da ONU.

A ONU e seus Organismos

Entre as associações que congregamos países, nenhuma tem um caráter tão efetivamente mundial quanto a ONU e seus órgãos especializados que a compõem entre os quais se destacam: a OMC (Organização Mundial do Comércio), o BIRD (Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento ou Banco Mundial), o FMI (Fundo Monetário Internacional), a OIT (Organização Mundial do Trabalho) e a UNESCO (Organização para a Educação, Ciência e Cultura).

A ONU foi criada em 1945, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, por cinqüenta países que, reunidos na cidade de San Francisco (EUA), assinaram uma carta de princípios estabelecendo como objetivos principais e defesa da paz e da segurança mundiais e a cooperação econômica, cultural e social entre os seus membros.

De sua criação até os dias atuais, quase todos os países do globo aderiram a essa organização. A ONU hoje é integrada por 185 dos quase 200 países existentes. Na ONU há duas instâncias básicas de deliberação:

 A Assembléia Geral, que se reúne uma vez por ano com a participação de todos os países membros;

 O Conselho de Segurança, com quinze membros, dos quais dez são eleitos a cada dois anos e cinco são permanentes, com poder de veto. Os permanentes são: China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia.

As resoluções aprovadas em Assembléia Geral não têm caráter de obrigatoriamente, mas de recomendação. Ou seja, por sugestão de algum país membro, a Assembléia pode aprovar, por exemplo, um boicote econômico a um país que esteja procedendo em desacordo com a política de respeito aos direitos humanos. Esse boicote será recomendado a todos os outros membros, mas não haverá obrigação de executá-lo.

No que diz respeito às questões que envolvam conflitos entre países, as decisões se dão no âmbito do Conselho de Segurança. Qualquer um dos cincos membros permanentes tem poder de veto, isto é, ou todos eles concordam, por exemplo, com envio de tropas da ONU para garantir a paz em algum lugar do mundo onde haja conflito, ou não se tomam decisões.

Numa organização com essa quantidade de membros, interesses os mais diversos e normalmente conflitantes, as decisões são sempre difíceis e morosas. E, em boa parte das questões debatidas, o poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança simplesmente impede qualquer tomada de decisões.

Mesmo assim, grupos de observadores ou tropas organizadas pela ONU têm estado presentes em quase todos os lugares do planeta, exercendo as mais variadas funções – como garantir a realização de processos eleitorais ameaçados, impedirem conflitos armados, ajudar na retirada de refugiados, etc. Como exemplo recente dessa atuação poderíamos citar: os embargos comerciais e econômicos promovidos ao longo da década de 80 contra a África do Sul, em sanção ao regime racista do apartheid; o apoio militar e diplomático às tropas comandadas pelos Estados Unidos e seus aliados na guerra contra o Iraque em 1991; e o envio de missões de paz à região da Iugoslávia, com o intuito de interferir nos violentos conflitos nacionais em que se envolveram, desde o final de 1991, as novas repúblicas surgidas a partir da fragmentação da antiga federação Iugoslava.

ONU: uma farsa das grandes potências? – Se considerarmos apenas os primeiros anos da década de 90, missões, observadores e tropas organizadas pela ONU estiveram presentes nos seguintes lugares: Índia, Chipre, Líbano, Golã, Jerusalém, El Salvador, Saara Ocidental, Camboja, Iraque - Kuwait, Croácia, Bósnia e Somália.

Como se vê, apesar da dificuldade para a tomada de decisões, causada pela necessidade de conciliar interesses divergentes e, particularmente, pelo poder de veto dos membros permanentes do conselho de Segurança, a ONU esteve presente, de alguma forma, nos conflitos e situações ocorridos nos últimos tempos.

É claro, também, que esteve ausente de várias situações em que sua presença poderia contrariar certos interesses, principalmente os de membros permanentes no Conselho de Segurança. Foi assim, por exemplo, quando a extinta União Soviética invadiu o Afeganistão (1982); na Guerra das Malvinas, entre Argentina e Inglaterra (início dos anos 80); nos constantes episódios envolvendo palestinos e territórios ocupados por Israel; ou nas inúmeras intervenções armadas do Estado Unidos em países latino-americanos.

Nessas e em outras situações semelhantes, a ONU não tomou nenhuma decisão. No entanto, apesar dos favorecimentos e dificuldades nas tomadas de decisões, a ONU tem uma indiscutível importância: sua simples existência já é um claro reconhecimento de que responsabilidade do conjunto de nações e Estados do planeta.

Para muitos analistas, a ONU, não passaria de um grande teatro, onde os diversos países estariam representando uma espécie de farsa para favorecer algumas poucas, ricas e poderosas nações do globo. Estas utilizariam a organização para legitimar e conferir legalidade às suas ações, com o aval da comunidade internacional.

O papel da ONU no episódio da Guerra do Golfo, no início de 1991, é quase sempre mencionado para os interesses das grandes potências. Nessa ocasião, a ONU se limitou a exercer a função de coadjuvante na intervenção armada comandada pelos Estados Unidos contra o Iraque.

No entanto, reduzir a função da ONU a isso seria uma simplificação, pois suas ações nem sempre se prestaram a esse papel. Além do mais, é evidente que, no jogo de forças entre Estados e nações, os mais poderosos exercerão mais influência nos resultados e nos tipos de ações desencadeadas. Mas a simples manutenção de um fórum dessa magnitude, do qual praticamente todos os países do globo participam, mesmo que em alguns casos apenas para buscar legitimar determinadas ações, é um importante reconhecimento, por parte de todos, de que o planeta não é somente um aglomerado de Estados e nações onde cada um faz o que bem entender.

FMI, OMC, BIRD, OMS, UNESCO e os espaços mundiais – Esse reconhecimento e esse jogo de forças tornaram-se ainda mais evidentes na atuação dos organismos especializados da própria ONU, como os que já citamos: FMI, BIRD, OMC, FAO, OMS, UNESCO, etc.

Tais órgãos, embora sejam considerados agência da ONU, funcionam como associações que gozam de certa autonomia. Possuem sedes próprias em diferentes lugares do mundo (que não a cidade de Nova Iorque, sede da ONU) e reúnem membros também diferentes e normalmente menos numerosos do que os associados à ONU.

Esses organismos especializados buscam desenvolver ações e estabelecer normas de conduta para as atividades econômicas, comerciais, educacionais, sanitárias, etc. dos diversos países; mais do que a própria ONU, embora menos famosos que ela, estão entre os principais responsáveis por colocar em evidência a existência prática desses espaços mundiais cuja gestão é de responsabilidade de todos.

Em 1994 foi criada a Organização Mundial do Comércio (OMC) que passou a cumprir as funções anteriormente exercidas pelo Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). A OMC passa, a partir dessa data, a englobar o próprio GATT (no que diz respeito ao comércio de mercadorias), o GATS (Acordo Geral do Comércio de Serviços) e o TRIPs (Proteção dos Direitos de Propriedades de Intelectual, ou seja, as patentes). Dessa forma, a nova organização passa a ter o poder de influenciar até mesmo as políticas econômicas e de comércio internas dos países signatários, como é o caso do Brasil.

O FMI e o BIRD, por sua vez, emprestam grandes somas de dinheiro a vários países. Estes, na condição de endividados, devem se submeter às regras estabelecidas por essas instituições, quanto ao gerenciamento de sua própria economia. Na prática, isso pode significar que o tratamento de questões relacionadas aos interesses internos dos países envolvidos, como níveis salariais dos trabalhadores, medidas adotadas para estimular um setor industrial ou para combater situações de inflação, estará subordinado às diretrizes políticas ditadas pelo FMI ou pelo BIRD.

Vários outros tipos de atuação e interferência de organismos da ONU poderiam ainda ser citados, tais como os estímulos, inclusive financeiros, que a Organização Mundial de Saúde (OMS) tem dado às políticas de controle de natalidade nos diversos lugares do mundo, por exemplo, ou a definição, pela UNESCO, das cidades brasileiras de Ouro Preto, Brasília e Olinda como patrimônios culturais e arquitetônicos da humanidade. Todas essas ações apenas reforçam e evidenciam as características mundiais da atual dinâmica geográfica do planeta.

Tais características, no entanto, não se tronam manifestas unicamente quando examinamos a atuação da ONU ou de seus organismos especializados. Fora do âmbito das Nações Unidas, há muitas outras associações ou blocos constituídos que, embora de menor porte, desempenham importante papel na gestão dos espaços mundiais.

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