segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A Escola Tradicional X A Escola Humanista: algumas características

Valther Maestro*
Valter Martins Giovedi**




Algumas Características do Modelo Pedagógico Tradicional

Podemos dizer que a estrutura da escola tradicional/tecnicista se sustenta em 6 pilares fundamentais:

1º. Conteúdos distantes da realidade, dos anseios e das demandas dos educandos:

Isso significa que o critério utilizado para a seleção dos conteúdos nessas escolas, bem como de sua seqüência, não se baseia num estudo sobre o universo dos estudantes, e sim em tópicos prescritos por materiais didáticos elaborados por alguém que pretende atender a uma demanda de mercado. No caso, o mercado do Vestibular/ Enem. Tendo em vista que Vestibular e Enem são desafios com os quais os educandos terão que se preocupar a partir de um certo momento de suas vidas futuras, a escola acaba se afastando da vida presente dos alunos, de seus problemas vividos no momento, de suas necessidades atuais. Isso faz com que os estudantes não tenham motivação para estudar os conteúdos propostos pela escola. A tal ponto que, para motivá-los, muitos professores são obrigados a recorrer a aulas shows, a táticas motivacionais e à pedagogia carismática. Quando essas estratégias dão certo, confundimos as coisas: achamos que eles se envolveram com os conteúdos, porém o que aconteceu é que eles se envolveram com o nosso “showzinho”. A matéria de vestibular só faz sentido para os estudantes que assumem esse compromisso para a sua vida. Os que não estão pensando nisso não internalizam tais conteúdos.

2º. Métodos passivos

Como decorrência dos conteúdos distantes da realidade, a escola tradicional/tecnicista é obrigada a recorrer aos métodos passivos, já que os estudantes não conseguem interagir de maneira espontânea com conhecimentos que não têm conexão com o seu mundo imediato. Os métodos passivos podem ser claramente percebidos pela cena constante em que vemos os estudantes da nossa escola na situação de meros receptores indiferentes de informações transmitidas pelos professores. Na hora em que fazem exercícios, raramente há uma produção criadora. Geralmente há reprodução de conteúdos dados pelo professor. Os métodos passivos são também conseqüências das programações rígidas de conteúdos, já que na passividade não existe perda de tempo com formas diferenciadas do educando ver o mesmo conteúdo por diversos pontos de vista. Não dá tempo de deixá-los construir conhecimento, já que isso atrasa o cumprimento do programa. Portanto, o professor com conteúdos rígidos é induzido a utilizar métodos apassivadores.

3º. Tempo homogêneo e homogeneizador

Em escolas tradicionais/tecnicistas, os tempos individuais e os tempos de aprendizagem não são considerados, já que todos os estudantes de uma mesma sala precisam estar no mesmo lugar, na mesma hora, fazendo a mesma coisa. Todos fazem a mesma prova no mesmo dia. Todos precisam seguir uma mesma rotina escolar. Nessa perspectiva, existe todo um esforço que nossa escola faz de homogeneizar os sujeitos de tal modo que eles não podem desenvolver o conhecimento de si e de seus ritmos. Para mostrar resultado dentro do tempo homogêneo pré-estabelecido, os alunos recorrem a cópias de lições de outros colegas, à leitura de resumos de livros, ao cumprimento de tarefas de maneira mecânica. Diante disso, todo o nosso discurso de respeito pelas diversidades vai por água abaixo, já que nossa prática sistemática é de enquadrar alunos num mesmo padrão, sendo que as diferenças se tornam um problema para a nossa rotina e não uma oportunidade de re-criação de vivências. Alunos mais lentos, chamamos de “fraquinhos”, alunos que não atrapalham chamamos de “bons alunos” etc.

4º. Espaço restrito de atuação

Num contexto como esse, o papel do aluno é ficar sentado numa carteira escolar por horas seguidas, sendo submetido aos comandos do professor. Levantar-se, só com autorização, ir ao banheiro idem, ficar se mexendo atrapalha etc. Os corpos dos estudantes são controlados e vigiados de tal modo que não podem transitar de forma mais livre e autêntica. Existe nesse modelo de escola a prática sistemática da repressão dos corpos para que eles sejam dóceis e previsíveis e não realizem nada que saia do rol de comportamentos permitidos. Além disso, o aluno fica a maior parte do tempo num único espaço físico (sua sala de aula) com uma turma que está tendo que conviver junto simplesmente porque possui a mesma idade. Portanto, os alunos são agrupados por um critério que não passa pelas suas escolhas e interesses. Supostamente, ele só pode aprender junto com os colegas da mesma série.

5º. Avaliação como instrumento de controle e classificação

Num contexto tão sem sentido como esse, só existe uma forma de obrigar os estudantes a apresentarem os resultados que desejamos: com as provas, as notas, as recuperações e as reprovações. Ou seja, ninguém se submeteria voluntariamente a isso tudo caso não houvesse um mecanismo poderoso de ameaça. Quando o professor pede algo que não vale nota, os educandos normalmente não fazem o que foi solicitado. Só fazem o que traz algum rendimento. Ensina-se assim, via currículo oculto, que o único valor existente na sociedade é o ganho de prêmios. Não fazemos coisas por amizade, solidariedade, por importância social, por compromisso com o outro etc. Só faço porque isso vai me dar nota, renda, dinheiro, poder, prestígio etc. Com essa prática as escolas tradicionais/tecnicistas ensinam a perversa lição do individualismo exacerbado e da barganha pela ameaça. Contra isso, não adianta dizer que a nota não tem importância. Ela, na escola tradicional/tecnicista, é o único instrumento do qual professores dispõem para controlar alunos e obrigá-los a estudar.

6º. Gestão centralizadora e vertical

É fundamental para a escola tradicional/tecnicista não dar voz aos sujeitos que nela atuam. Assembléias e Conselhos de Escola são muito perigosos, pois neles é possível que alguém fale algo indesejado e proponha coisas com as quais não saberíamos lidar. Nesses órgãos, estaríamos dando espaço para críticas. Alunos, professores, funcionários, direção, pais, coordenação etc teriam o mesmo poder e o mesmo direito à voz. As hierarquias seriam subvertidas. A assembléia daria a palavra final. Escolas tradicionais/tecnicistas não colocam em pauta os seus problemas para que eles sejam discutidos coletivamente. Ficamos nos corredores criticando uns aos outros, porém não aprendemos a ser cidadãos críticos e participativos, já que o espaço apropriado do exercício da cidadania não existe. Temos medo de dividir o poder e de deslocá-lo para além de poucos indivíduos que “dão as cartas”. Ensina-se aos alunos a não resolverem as suas diferenças por meio do debate, do diálogo, do voto. Pelo contrário, ensinamos a eles a resolverem os problemas pela força, pelo arbítrio, pelo grito. Por mais doce e suave que a autoridade seja, nada substitui a democracia.
Algumas Características do Modelo Pedagógico Humanista

Quando falamos de Pedagogia Humanista, temos que ter clareza de que ela surgiu na História da Educação como reação à Pedagogia Tradicional.

O principal elemento que diferencia as duas concerne é justamente os objetivos que cada uma delas atribui à educação escolar. Se por um lado a Pedagogia Tradicional/Tecnicista visa formar pessoas para trabalhar de maneira produtiva, eficiente e submissa no mercado de trabalho para que desempenhem bem a sua função no processo de acumulação do capital, por outro lado, a Pedagogia Humanista visa formar pessoas para que se realizem como seres humanos integrais e autônomos.

Ou seja, na primeira, o ser humano é concebido como instrumento, como meio, para reprodução do capital, sendo que, portanto, a finalidade última é promover riqueza, fazendo dos indivíduos meros fatores de produção, meros capitais humanos.

Na segunda, o ser humano é visto como finalidade última da ação educativa. Não é ele quem deve servir ao acúmulo de capital e sim o contrário. Além disso, caso haja um conflito entre capital e humano, não se pensa duas vezes em colocar o ser humano como valor maior a ser preservado. Portanto, uma pedagogia humanista não serve primordialmente ao capital e aos seus acessórios. Ela serve acima de tudo à causa da liberdade, permitindo aos indivíduos exercê-la durante o seu processo de formação.

Isto posto, passamos a ter 6 novos pilares estruturantes:

1. Conteúdos significativos e/ou que partem dos interesses dos educandos

Os conteúdos são definidos de acordo com os interesses dos estudantes que fazem o seu próprio itinerário de estudos, ou então, são definidos de acordo com uma pesquisa que a escola faz do universo sócio-cultural dos alunos para descobrir quais os seus anseios e demandas. Portanto, não são os alunos que atendem aos programas e sim os programas que atendem aos alunos.

2. Métodos ativos e dialógicos

Como conseqüência dos conteúdos pertinentes, os métodos passam a ser planejados de modo a possibilitar o protagonismo dos alunos com relação ao seu processo de conhecimento. O indivíduo vai ao conhecimento na medida em que suas necessidades vão surgindo, respeitando-se assim a sua autonomia intelectual.

3. Convivência de múltiplas temporalidades

Estudantes fazem o seu itinerário e estabelecem as suas próprias metas. Também é possível trabalhar na perspectiva dos ciclos de aprendizagem, que consistem numa forma de compreender que os indivíduos podem desenvolver suas habilidades em ritmos diferentes, sendo que para isso, a escola deve lhes possibilitar momentos específicos para recuperar, por meio de re-agrupamentos, conhecimentos não adquiridos num primeiro momento.

4. Espaços diversificados

Apostando-se na autonomia dos estudantes, propõe-se que eles possam decidir o que pretendem fazer e em que lugares pretendem estar. Claro que formas diferentes de se lidar com essa liberdade precisam ser propostas para as diferentes faixas etárias ou para os diferentes momentos do desenvolvimento das crianças e dos jovens.

5. Avaliação das potencialidades

Avaliação deixa de ser mecanismo de controle e passa a ser momento de reflexão individual ou coletiva sobre metas e objetivos atingidos. Como ambos são construções do indivíduo e de sua coletividade, cabe ao professor acompanhar para ajudar o estudante na busca pelo seu conhecimento.

6. Gestão democrática participativa

TODOS (mantenedora, direção, coordenação, pais, professores, alunos, funcionários) os segmentos da escola discutem, propõem e votam os rumos da escola. Todos passam a ser responsáveis pelos sucessos e insucessos, procurando decidir conflitos a partir de comissões constituídas por membros de todos os segmentos.

Assim, uma Pedagogia Humanista requer um conjunto de mudanças que não podem ser restritas à mentalidade dos professores. Professores humanistas, dentro de uma estrutura tradicional/tecnicista sofrem muito com o menosprezo dos alunos para com as suas aulas, já que estes passam a vê-las mais como um momento de descontração do que propriamente como um compromisso com os estudos e com a concentração. Ou seja, podemos apostar que muitos professores já tentaram implantar novidades em suas aulas, porém, diante das primeiras reações dos alunos, foram obrigados a voltar atrás por medo de perder o controle.

O que acabamos vendo são estratégias de aulas que tentam dulcificar o conhecimento, transformando-o sempre em algo ameno, que não exige concentração, que não exige reflexão. Acabamos fazendo gincanas, caças ao tesouro, teatro, acerto de questões em troca de um prêmio, ou seja, estamos nos submetendo às idiossincrasias dos estudantes e achando que assim estamos sendo mais humanistas. Resultado: estamos formando uma geração que não sabe o que é estudar, pesquisar, ler de verdade, criar hipóteses científicas, criar arte como expressão de seus sentimentos e anseios etc.

Enfim, é importante que fique claro para nós que o que determina a linha pedagógica de uma escola não é a ação individual de cada um de seus sujeitos. Ao invés disso, o que determina é a ação coletiva fundada em estruturas novas que subvertam o autoritarismo intrínseco ao modelo tradicional/tecnicista.

Proposta de encaminhamento para superar dificuldades

Proposta 1 - Diante do que foi exposto, não é possível a implantação do modelo humanista sem uma adesão significativa de boa parte de todos os segmentos (principalmente dos pais) a essa proposta. Quanto aos professores, acredito que novas lógicas de funcionamento do cotidiano dialeticamente provocariam novas reações e ações, já que novas predisposições passariam a existir e novas variáveis estariam atuando no cotidiano.

O fato é que não é possível almejarmos um modelo alternativo se não unirmos pessoas que se dispõem a pensá-lo minuciosamente para mapear as suas diferentes características e modos de funcionamento. Sendo assim, propomos que na escola exista um grupo de pessoas, de todos os segmentos da escola, que fariam reuniões periódicas para pensar no processo de mudança.

Propostas 2 - Enquanto ocorre esse trabalho, obviamente que o Colégio continuará as suas atividades. Nesse sentido, acho importante que o Colégio assuma em caráter transitório uma posição mais condizente com aquilo que ele é neste momento, ou seja, uma escola tradicional/ tecnicista. Portanto, acredito que determinados aspectos do funcionamento da escola precisam ser definidos e amplamente divulgados como forma de evitar que os problemas de indisciplina e desrespeito por parte dos alunos sejam intensificados. Determinadas posturas que nossos alunos têm tido em sala de aula e fora dela são inadmissíveis numa escola tradicional/ tecnicista. Se nos omitirmos com relação a estas condutas os alunos vão cada vez mais dificultar o trabalho dos professores nas salas de aula. Essa dificuldade de trabalho vai sem dúvida resultar em piores aulas e em um desempenho pior dos estudantes em avaliações externas da escola, tal como o ENEM.

Por isso, acredito que o Colégio precisa lançar mão de algumas práticas que vão ter como efeito imediato uma diminuição dos conflitos na escola, tais como: divulgação de normas de convivência em cada uma das salas e que tais normas sejam afixadas em vários lugares da escola; punir sempre, de acordo com o regimento interno, alunos que tiverem atitudes inconvenientes com ambiente escolar.

O importante não é que tudo passe a ser proibido e sim que as proibições estejam objetivamente explicitadas, claras e que o descumprimento das regras não passe desapercebido pela escola sem que esta demonstre uma atitude diante de todos.

É importante também que fique claro para todos os professores e demais funcionários os seus limites de atuação. Pois uma estrutura tradicional/ tecnicista assumida oferece a estes um conjunto de poderes que podem levar a diversas formas de abuso.

Ainda que escolas tradicionais/ tecnicistas tendam sempre a ver o aluno como culpado de não ter estudado, de não entrado na aula na hora certa, de ter tirado nota baixa, de ter dormido na aula, de ter xingado o professor etc, não podemos esquecer que nem sempre isso é verdade. Tem vezes que passamos dos limites. Nesses casos, os estudantes precisam ter o direito de se defender. Que as assembléias possam existir e que os estudantes possam apresentar propostas de mudanças para a Escola.

Propostas 3 – Que na escola exista a possibilidade de experimentarmos a representação de classe, estudantes escolhidos pelos estudantes que levarão propostas para a coordenação. Além disso, tais propostas, após uma reflexão entre a coordenação/direção/estudantes representantes serão apresentadas em Assembléia para votação.

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* Valther Maestro - Educador há 24 anos. Atua como: Palestrante da Editora FTD, Diretor de Criação e Desenvolvimento de Projetos da Caminhos&Paisagens e Assessor Pedagógico do Colégio Dominus Vivendi. Escreveu livros didáticos de Geografia para o ensino fundamental, para educação de Jovens e Adultos (EJA) e paradidáticos, pelas Editoras FTD e Pueri Domuns Escolas Associadas. Coordena o Projeto Novo Olhar do Colégio Dominus Vivendi, o Projeto Play Escola do Playcenter, o Projeto Caminho das Águas do Wet’n Wild, o Projeto Natureza do Beto Carrero World e o Projeto Contextura do Colégio Marista Graças. Assessora: a Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo (CENP-SEE) para a formação continuada dos professores responsáveis pelos projetos de educação ambiental e a Província Marista do Rio Grande do Sul para as questões do Enem. Nos últimos anos palestra sobre: Os Novos Paradigmas Educacionais, Avaliação na Escola Renovada, O Novo ENEM e Como Educar os Filhos no Mundo Atual. Especialista em Questões Ambientais e Mestre em Geografia Humana, com o tema: Modernização, Reestruturação e Qualidade de Vida. O Trabalho de Doutorado reflete sobre os Novos Paradigmas Educacionais.

** Valter Martins Giovedi – Educador há 10 anos. É graduado e licenciado em Filosofia pela Universidade Sao Judas Tadeu (2002). É mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo da PUC de São Paulo (2006). Estudou e defendeu dissertação de mestrado sobre a concepção de ensino-aprendizagem de Paulo Freire. Atualmente, é doutorando no programa de Educação: Currículo da PUC/SP, desenvolvendo estudos sobre violência curricular na escola pública paulista. É docente de Ensino Superior, atuando como professor de curso de Pedagogia e também atuando como professor do Ensino Médio nas áreas de Filosofia, Sociologia e Ética. Também atua como assessor pedagógico de instituições de ensino particular e ministra palestras para profissionais da educação sobre os
diferentes aspectos da prática educativa.

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