segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

A Importância de Saber como os Docentes Aprendem

Fernando Hernández*


Ninguém duvida que a formação docente é um fator essencial na qualidade da educação. Os problemas surgem quando se avalia se houve transposição didática (ou não). Ou, em outras palavras, em que medida a formação docente produz, com segurança, uma mudança nas práticas de ensino. Isso ocorre, entre outros motivos, porque, como indica Hargreaves (1997), os benefícios da formação quase nunca são integrados na prática da sala de aula, já que os profissionais que freqüentam um curso voltam às escolas e encontram colegas pouco entusiasmados e pouco compreensivos, que não dividiram com eles a aprendizagem realizada durante a formação. Mas seria necessário que analisássemos outras questões para respondermos qual "o impacto" e "os benefícios" da formação docente.
Um aspecto que chama a atenção é que, apesar da importância que se confere à formação, que se supõe ser feita para favorecer a aprendizagem dos docentes, de forma a melhorar a qualidade do ensino e da educação dos alunos, o que ocorre, como manifestei em outro trabalho (Hernández, 1996-97), é que se dá mais importância às propostas de formação do que à maneira como os professores aprendem (ou não), o que me leva a colocar o que entendo por aprendizagem: alguém aprende quando está em condições de transferir a uma nova situação (por exemplo, à prática docente) o que conheceu em uma situação de formação, seja de maneira institucionalizada, nas trocas com os colegas, em situações não-formais e em experiências da vida diária.
A preocupação sobre a maneira como os docentes aprendem não é um tema secundário se observarmos o investimento público que representa a formação permanente e o número de professores que, mais ou menos preocupados com o aperfeiçoamento didático e a renovação, participam a cada ano de seminários e grupos de capacitação.

Algumas atitudes dos professores diante da formação
Após destacar a necessidade de analisar a maneira como os docentes aprendem, farei algumas observações sobre as atitudes que tenho observado durante a minha experiência como formador. Apresento estas constatações sem a intenção de generalizá-las, e sim como ponto de partida para vinculá-las às considerações sobre a aprendizagem docente, a qual abordarei na segunda parte deste artigo.
1. refúgio no impossível. Esta atitude ocorre quando dizemos que o que escutamos está certo, que é válido, mas utópico, pois exige tempo para elaborá-lo e refleti-lo, e os docentes não dispõem de tempo. Esta mesma linha de atitude argumenta que não é possível realizá-lo com tantos alunos ou nas circunstâncias em que se trabalha. Trata-se de uma argumentação que mostra também uma faceta contraditória, pois, ao mesmo tempo em que se pedem exemplos sobre como agir (atitudes práticas), estas práticas não são adotadas nem adaptadas, porque se considera, de antemão, que não irão se adequar à situação específica de cada um.


2. desconforto de aprender. O fato de reconhecer que não se sabe algo não desperta a um desejo de aprender, mas sim a um bloqueio diante do que é novo. Alega-se que aprender exige muito esforço, provoca desconforto e que somos tratados como se fôssemos uma criança, muitas vezes pelo simples fato de que o que está sendo colocado é a possibilidade de aprender.


3. A revisão da prática não resolve os problemas. Quando a própria prática é usada como base para a aprendizagem, manifesta-se que a reflexão e a revisão do próprio trabalho são uma perda de tempo. Insinua-se, então, que o conveniente é dizer o que é preciso fazer. Assim, tem-se novamente a desculpa para não aprender, pois passa-se à situação descrita no item a. Inclusive, com freqüência, há desconforto devido ao sentimento de que não se está fazendo as coisas corretamente ou que poderíamos fazê-lo de outra maneira.


4. Aprender ameaça a identidade. Neste momento da profissão, o docente está desenvolvendo a sua identidade de pessoa que ensina. Talvez por isso considere que algo que o leve a mudar seja um atentado contra a sua experiência, o seu esforço e os seus conhecimentos. Tal fato ocorre quando se exige uma proposta de formação para implantar uma inovação (por exemplo, os agrupamentos flexíveis), inspirada na idéia de que os alunos são capazes de transferir os conteúdos presentes nos exercícios por meio dos quais foram treinados. Quando se comprova que não é isso o que ocorre, manifesta-se o fato de que não se quer continuar com a colaboração para não perder todo o esforço realizado para preparar esses exercícios escolares.

5. A separação entre a fundamentação e a prática. A idéia de que o professor é principalmente um prático vai adquirindo força com o tempo. Por isso, relacionar o trabalho com uma atitude investigadora que revise as suposições, que questione como o aluno compreende aquilo que se pretende ensinar, em vez de ser considerado um elemento necessário, é visto como uma interferência estranha: tal aspecto deve ser pesquisado pela universidade, que então nos dirá o que devemos fazer. Volta-se, assim, à situação indicada no item a, com a qual negamos a nós mesmos a possibilidade de aprender.
Em outras palavras, no momento de planejar os programas de formação, seria necessário que os docentes encontrassem respostas para problemas selecionados ou sugeridos por eles mesmos, ou que usassem estratégias de formação que os vinculassem com as diferentes formas de aprendizagem dos docentes.
Talvez essa estratégia possa facilitar a sua aprendizagem, mas nunca irá garanti-la totalmente, pois, como diz Prawat (1989), para poder construir novos conhecimentos é necessário: (a) um conhecimento-base (que inclui tanto os saberes disciplinares como as experiências pessoais), (b) as estratégias para continuar aprendendo e (c) a disponibilidade para a aprendizagem. Relacionar essas três características com a pesquisa sobre a aprendizagem dos docentes pode ser uma via de estudo promissora, embora possa ser também a descoberta de evidências pouco satisfatórias e pouco esperançosas.

Os enfoques na formação e na aprendizagem dos docentes
A atitude de resistência dos professores em relação à aprendizagem não se deve somente à sua trajetória biográfica pessoal e profissional. A conceituação que receberam sobre a sua tarefa (como práticos no ensino de 1º grau, como especialistas de uma disciplina no 2º grau), a consideração social da sua profissão e a formação que receberam também são importantes fatores de primeira ordem para explicar as atitudes de reação mencionadas. Por isso, seria interessante revisar a maneira como a formação recebida afeta a aprendizagem.
Durante muitos anos – um exemplo marcante foi o plano de formação para o ensino de ciências nos Estados Unidos, no início dos anos 60 – o docente era considerado como um implementador das reformas e inovações projetadas pelos especialistas e estimuladas pelos políticos. Quando começou-se a avaliar a presença destas propostas na prática (o que havia sido aprendido), descobriu-se que os docentes não seguiam as pautas apresentadas na formação e nos materiais, mas que, na verdade, adaptavam-nas, reorientando e transformando as propostas recebidas, inclusive aquelas consideradas "à prova" de professores.
Surgiu, então, a necessidade de explicar o fracasso das políticas de formação e o pequeno retorno dos investimentos nesta área como favorecedores de inovação. A pergunta era por que os docentes não aprendiam o que se pretendia ensinar-lhes. Para isso, foram elaboradas duas linhas de pesquisa, as quais estabeleciam duas hipóteses para a aprendizagem docente:
1. A primeira considera que os professores possuem concepções sobre a sua tarefa (aprendidas na prática e nas suas experiências como aprendizes) que servem para guiar a sua ação e que não se modificam somente pela formação. Essa, para produzir aprendizagem entre os docentes, deveria partir de tal experiência. A perspectiva de pesquisa sobre o pensamento dos professores procura analisar tais concepções (sobre diferentes aspectos da ação dos docentes), para assim redefinir as propostas de formação e, acredita-se, para contribuir no sentido de as inovações serem melhor aceitas e utilizadas pelos docentes.
2. A segunda tem relação com a anterior, mas privilegia a importância de conhecer a prática docente, a tarefa do professor, para inferir o papel das concepções na prática e no seu processo de tomada de decisões. Uma ampla série de estudos etnográficos tem procurado adequar esse interesse para descobrir o que o docente faz em sua sala de aula e como é a vida nas escolas para estabelecer, então, alternativas de aperfeiçoamento.
Em ambos os casos se procurava não tratar o docente como alguém que aprende no vazio. Com essa visão, substituía-se um modelo de aprendizagem baseado nos princípios instrucionais de base condutivista, devido a que as expectativas de mudança (de aprendizagem) geradas pela abordagem transmissiva não eram cumpridas na prática.
Assim, começa a ser colocada em prática uma nova tendência de formação, que mostra uma nova concepção do docente, considerando-o um profissional competente, reflexivo e aberto à colaboração com seus colegas. Essa conceituação pode ter três implicações para o planejamento da formação:
• considerar que os docentes não partem do zero, pois possuem uma formação e uma experiência durante a qual adquiriram crenças, teorias pedagógicas e esquemas de trabalho;
• conceituar a prática da formação a partir das experiências concretas e a sua análise, reflexão e crítica;
• considerar a formação a partir da comparação e do questionamento da própria prática e em relação a outros colegas. Isso exige, na formação, um componente de coordenação e colaboração.
Tal proposta, a sua colocação em prática e as observações sobre a mesma levaram a duas importantes conclusões, que têm repercussão na explicação da maneira como os docentes aprendem e o que influencia a sua aprendizagem:
• a importância de conhecer como pensam os docentes, que teorias pedagógicas e psicológicas orientam a sua prática; qual é o papel da biografia como aprendiz e como docente nestas concepções e como tudo isso influencia de maneira decisiva no como ocorre a aprendizagem, ou seja, como são compreendidas e interpretadas as novas abordagens e propostas;
• que nem sempre as concepções orientam a ação de uma maneira organizada e compreensiva – entre outros motivos, porque essas não são apresentadas de maneira compacta e coerente. E também porque reconhecer as próprias concepções não significa substituí-las por outras novas somente pelo fato de ter entrado em contato com elas.
No entanto, observou-se também que os docentes, quando aprendem, não tendem a fazê-lo em termos de teorias, mas sim vinculando a aprendizagem à sua prática em sala de aula, e que esse fato constitui um fator da sua identidade profissional em função da tradição que os "apresenta" principalmente como práticos.
Talvez seja esse o motivo pelo qual o professorado se pergunte, diante da formação que recebe: o que poderá usar, dentro daquilo que está sendo dito, no seu trabalho, e até que ponto isso será útil para solucionar seus problemas na prática. O corpo docente não pergunta se há contradições nas propostas que escuta para agir de forma conseqüente.
Surge, assim, um aspecto da aprendizagem docente que vale a pena analisar e que se refere aos prováveis impedimentos para a aprendizagem dos docentes ou o que pode levá-los a aprender de maneira incompleta e fragmentada.
Por um lado, os professores, assim como os alunos ou qualquer ser humano, tendem a adaptar a situação que recebem à situação na qual se encontram: se esta se encaixar e não criar conflito ou se incidir em um aspecto específico, mas não alterar totalmente a sua ação, será assumida; do contrário, será rejeitada ou adotada de forma fragmentária e freqüentemente inadequada.
As estratégias de aprendizagem docente como problemas de pesquisa
Do exposto anteriormente, depreende-se que, além da importância de conhecer as resistências à formação dos docentes, quando esta entra em choque com a sua identidade de práticos ou os exclui do próprio processo de formação, é importante conhecer como ocorre a aprendizagem dos docentes.
As características que mencionaremos a seguir foram tomadas de inúmeras experiências de formação das quais participei e que tive a oportunidade de compartilhar com outros colegas. Devem ser consideradas principalmente como hipóteses de trabalho e analisadas na pesquisa sobre a aprendizagem docente.
• professorado situa-se diante da informação e das novas situações de maneira fragmentária, na qual as partes se confundem com o todo, o exercício com o problema, a lição com o conteúdo relevante. É difícil situar as novas situações em termos de sistema e de globalidade, e tende-se a reduzi-las a aspectos casuísticos. Como exemplo disso cito o que ocorreu durante a visita de um grupo de docentes à experiência de educação infantil de Regio Emilia (Itália). Depois de dividir com os educadores italianos o contexto político e pedagógico do seu trabalho e as referências psicológicas que o sustentavam, ao retornar às nossas escolas, o reflexo da visita foi a colocação de papéis transparentes nos vidros das janelas das salas de aula. Toda uma complexa problemática educacional foi reduzida a um fragmento e a um fato totalmente irrelevante.
• Os docentes têm uma visão prática da sua ação e do seu conhecimento (o que devo fazer, a atividade que devo programar). Nesse sentido, os professores constroem saberes e práticas ao longo de sua trajetória profissional que são subvalorizados pelos formadores e pelos meios de comunicação, mas que, no entanto, constituem os fundamentos de sua prática e competência profissional. Entretanto, a prática sem contexto, sem explicação e sem referências que a sustentem não tem mais sentido do que a simples atividade, pois deixa de lado as dimensões educacionais e sociais da ação docente.
• Os professores possuem uma perspectiva funcional (o que se aprende deve servir para algo) na formação profissional. Isso faz com que a maior parte dos conhecimentos que os docentes recebem nos cursos de formação, embora possam estar mais ou menos legitimados academicamente, ao não serem produzidos nem legitimados pela prática docente, passam a ter pouca relevância na sua aprendizagem. No entanto, os docentes não podem garantir a funcionalidade daquilo que ensinam, não podem responder sobre a utilidade que terá para os alunos, devido às mutações das condições de vida na sociedade contemporânea.
• professorado possui uma visão dicotômica da teoria e da prática e entre o que faz o ensino e o que o fundamenta. Resolver essa separação implicaria considerar que a prática sempre deriva das teorias – o que é uma contradição em relação às colocações anteriores –, mas também significaria tirar legitimidade de uma separação que envolve uma hierarquia entre aqueles que conhecem e aqueles que aplicam. Significaria desfazer todo um sistema reprodutivo do saber.
• Os docentes possuem uma visão generalizadora das práticas e, por isso, quando aprendem um esquema de ação, procuram aplicá-lo, inclusive em circunstâncias que exigem outro tipo de estratégia. Por exemplo, um grupo de professores em um curso de formação havia colocado em prática a maneira de interpretar o conteúdo de uma conversa de sala de aula a partir de focos de interesse. Quando foi sugerida uma nova atividade na qual precisavam estabelecer categorias e ordens em uma série de respostas, tiveram dificuldades para fazê-lo, pois tentavam resolvê-la usando a estratégia anterior.
• Finalmente, e como algo independente destas considerações sobre os problemas de aprendizagem dos docentes, seria necessário colocar que eles tendem a basear as suas ações na própria experiência e em argumentações do senso comum, o que dificulta a sua interpretação do que ocorre em sala de aula e do contexto social da aprendizagem dos alunos. Quando se pede aos docentes que expliquem como acreditam que os seus alunos aprendem ou por que tomaram uma decisão entre outras possíveis, eles, ou ficam bloqueados, ou usam argumentos baseados no contraste com situações semelhantes. Muito raramente tentam encontrar interpretações alternativas ou com base em uma intuição psicopedagógica.
Como abordar a problemática da pesquisa sobre a aprendizagem dos professores
Fernández Cruz (1995, p. 177) fala sobre a necessidade de se abordar a aprendizagem dos docentes a partir da compreensão de como chegaram a pensar, agir e aprender da maneira como o fazem. Isso pode ser alcançado por uma abordagem autobiográfica, da história da vida e da prática dos professores, por meio da qual poderia ser revelada a complexa interação entre biografia, crenças, prática e aprendizagem. Com isso seria possível começar a compreender como os docentes aprendem, além de confirmar, como mostra a pesquisa de Salgueiro (1995) sobre o conhecimento docente de uma professora, que eles aprendem principalmente com a prática e com a interação com outros colegas.
Além dessa perspectiva, pode-se analisar como (em que contextos, seguindo quais modelos de formação) os docentes consideram que aprendem melhor. O que permitiria avaliar o que se considera uma "boa formação", além de aspectos relacionados à apropriação, relação e transferência entre o seu conhecimento prático e as situações apresentadas ou refletidas em contextos de formação. Do mesmo modo, e seguindo a estratégia explorada por Schön, pode-se coletar experiências de atividade docente por meio de registros de observação de campo e com vídeo, tentando reconstruir com eles e elas as estratégias utilizadas em suas decisões e na prática, a fim de construírem seu conhecimento profissional. Este material seria considerado como processo de formação.
Entretanto, também é importante abordar a forma como aprendem os formadores, já que quase nunca se considera que eles e elas também são (somos) pessoas que ensinam, e também temos dificuldades para aprender - entre outros motivos, porque se considera que já sabem quase tudo e que dificilmente podem aprender com os outros, e muito menos com as situações de formação e com as experiências dos docentes que trabalham em outras instituições do sistema educacional.
Deixei para o final a terceira das condições destacadas por Prawat para facilitar a construção dos conhecimentos. Refiro-me à disposição para aprender. Quando escutamos os professores dizendo "Isso eu não posso fazer", "O que você diz exige muito esforço", "Não sei se vale a pena mudar após tantos anos", parece-nos que o desejo de aprender vai adormecendo pouco a pouco, até chegar a uma letargia irrecuperável. Então, pensamos que é uma grande responsabilidade que nós que nos dedicamos a ensinar a outros renunciemos e deixemos de aprender, e que esqueçamos que preparar para o futuro significa preparar para continuar aprendendo por toda a vida.

Referências Bibliográficas

FERNANDEZ CRUZ, M. Ciclos de vida profesional de los professores. Revista de Educación. nº 303, pp. 153-203, 1995.
HARGREAVES, A. Profesorado, cultura y postmodernidad. Madrid: Morata, 1996.
HERNANDEZ, F. ¿Cómo aprenden los docentes? Kikirikí. Cooperación Educativa, nº 42-43, pp. 120-127, 1996-97.
PRAWAT, R. S. Promoting access to knowledge, strategy and disposition in students: a research synthesis. Review of Educational Research, v. 59, nº 1, 1-41pp., 1989.
SALGUEIRO, A. M. La construcción del saber profesional de una maestra. Barcelan: Universidad de Barcelona, 1994. (Tese de doutorado não-publicada.)

Fernando Hernández é professor titular da Faculdade de Belas Artes da Universidade de Barcelona
Fonte:
HERNANDEZ, Fernando. A importância de saber como os docentes aprendem. Pátio Revista Pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas Sul., fev/abr 1998.

Disponível em: www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/humanas/educacao/patio/patio4.html#autor

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