domingo, 19 de setembro de 2010

Chega de mentira e de inverdades, vamos falar sobre a realidade? (PARTE I)

Prezados Educadores...
Há alguns meses venho recebendo alguns e-mails absurdos sobre o sistema de ensino brasileiro. Muitas vezes leio tais e-mails, fico assustado mas não me importo, mesmo não concordando com o conteúdo de tais mensagens. No entanto, recentemente recebi 4 vezes o mesmo e-mail enviado por 4 educadores diferentes, que tentam justificar o insucesso dos estudantes diante dos processos educacionais utilizados nas escolas atualmente.


Diante de tais fatos, refleti muito antes de escrever essa mensagem para você, que possivelmente também deve ter recebido um e-mail como esse.
Fico imaginando o que faz uma pessoa perder tempo com esse tipo de mensagem, e o pior, o que faz ela ampliar esse tipo de informação quando envia para todas as pessoas de sua “caixa de e-mail”. Tal indignação me fez escrever esse texto, se tiveres tempo leia e reflita. Também colocarei tais reflexões em meu blog e se quiseres faça um comentário.

A mensagem enviada foi:
Nem pense em rir, é trágico.
Relato:
Semana passada comprei um produtinho que custou R$ 1,58. Dei à balconista
$2,00 e peguei na minha carteira 8 centavos, para evitar receber ainda mais
moedas. A balconista pegou o dinheiro e ficou olhando para ele,
aparentemente sem saber o que fazer. Tentei explicar que ela tinha que me
dar 50 centavos de troco, mas ela não se convenceu e chamou o gerente para
ajudá-la. Ficou com lágrimas nos olhos enquanto o gerente tentava explicar
e ela aparentemente continuava sem entender.
Por que estou contando isso? Porque me dei conta da evolução do ensino de
matemática desde 1950, que foi assim:

1. Ensino de matemática em 1950:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de
produção desse carro de lenha é igual a 4/5 do preço de venda. Qual é o
lucro?

2. Ensino de matemática em 1970:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de
produção desse carro de lenha é igual a 80% do preço de venda. Qual é o
lucro?

3. Ensino de matemática em 1980:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de
produção desse carro de lenha é R$ 80,00. Qual é o lucro?

4. Ensino de matemática em 1990:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de
produção desse carro de lenha é R$ 80,00. Escolha a resposta certa, que
indica o lucro:
( ) R$ 20,00 ( ) R$40,00 ( ) R$60,00 ( ) R$80,00 ( ) R$100,00

5. Ensino de matemática em 2000:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$ 100,00. O custo de
produção desse carro de lenha é R$ 80,00. O lucro é de R$ 20,00. Está
certo?
( ) Sim ( ) Não

6. Ensino de matemática em 2008:
Um cortador de lenha vende um carro de lenha por R$100,00. O custo de
produção desse carro de lenha é R$ 80,00. Se você conseguir ler, coloque um
X no R$ 20,00.
( ) R$ 20,00 ( ) R$40,00 ( ) R$60,00 ( ) R$80,00 ( ) R$100,00



Não ria! É sério! É por isso que a geração "tipo assim" faz vestibular para a área "diumanas"...

Não vou fazer considerações sobre a possível história da aquisição do produto, e nem da situação da suposta balconista que não conseguiu fazer o troco, mesmo porque isso já ocorreu comigo. No entanto, não sai escrevendo besteiras... fui para casa e preparei uma nova palestra para os professores que tenho trabalhado e novos textos para meus livros ou para o blog, que já superou os 18.000 acessos.

Não acredito na “evolução” no ensino de matemática apresentada no texto do e-mail, não mesmo... justamente porque venho acompanhando o processo de ensino-aprendizagem nesse pais e as metodologias adotadas nas escolas não dizem para um educador montar uma avaliação do tipo que sugere o e-mail, aliás as avaliações externas sugerem uma nova abordagem, mas não uma abordagem absurda como essa.

Não podemos esquecer, que independentemente da metodologia adotada nas escolas, são os educadores que são os responsáveis pelas escolhas dos procedimentos que serão utilizados em aula e também da escolha das questões que serão materializadas em suas avaliações. Acredito que são os nossos procedimentos e a escolha dos conteúdos que utilizamos para dialogar com eles e que possibilitarão o desenvolvimento e/ou a ampliação das habilidades dos estudantes, bem como a geração das competências.

Quem acredita nisso desconsidera as grandes conquistas que fizemos no mundo da educação, quem materializa esse absurdo sugerido no e-mail, não leva em consideração as 30 habilidades para o ensino da matemática expressa no ENEM e nem muito menos as 7 competências que estão sendo exigidas para os estudantes (que estão abaixo relacionadas). O suposto educador que materializa o que o e-mail sugere, desconhece totalmente a proposta do ENEM, que está baseada nos PCNs, ou seja ele seria um “dador de aulas” e não um educador.

No entanto, pelo o que tenho visto, os educadores que eu trabalhei nos últimos 2 anos ( e foram mais de 20 mil) não estão fazendo isso que o e-mail sugere. Muito pelo contrário, são pessoas comprometidas com a educação e com os seus estudantes, são pessoas que possuem discernimento sobre o que é importante ensinar e vivenciar em sala de aula, bem como estão super preocupados em buscar inovações para garantir melhores atuações para suas aulas, pois sabem que os estudantes do hoje são mais rápidos, dinâmicos e repletos de informações. Tais educadores podem utilizar métodos ultrapassados, e é justamente isso que eles estão a busca de superar, mesmo porque o mundo evoluiu muito rápido, os educandos mudaram muito rápido e o processo de formação continua desses educadores muitas vezes não se materializam no seu ambiente de trabalho, coisa essa que deveria acontecer em toda escola que está preocupada com o sucesso de todos que estão envolvidos no processo de ensino-aprendizagem. Além disso, no ensino superior, a grande maioria dos cursos de formação dos professores não dialogam com as novas necessidades, pois ainda apresentam uma fragmentação do saber expressa em grades curriculares estanques e em processos onde o currículo ainda não representa a totalidade do processo, muitas aulas não são dialogadas, por os educadores do ensino superior ainda acreditam que são os grandes possuidores das verdades absolutas, que muitas vezes são materializadas em suas teses de mestrado e doutorado, que também dialogam com a sala de aula real.

Sendo assim, não acredito nesse e-mail, não acredito que os educadores fazem isso, mesmo sabendo que temos vários problemas para superar... e se alguém achar que eu estou exagerando, pois esse e-mail é uma brincadeira, pode ter certeza que eu não gosto de brincadeiras desse tipo, apesar de ser uma pessoa super bem humorado, pois tais colocações não contribuem com nada, não ajudam a resolver os abismos que precisamos superar para atingir novos objetivos educacionais.

Espero que mais educadores compartilhem de minhas reflexões, pois a escola de hoje é democrática e atinge a todos, e na década de 50 e 60 era elitista e atingia somente a classe dominante de nosso pais. Além disso, nossos estudantes, não são imbecis, não existem imbecis, existem inteligências múltiplas e elas ainda não estão sendo respeitadas e nem analisados por nós. Nossos estudantes são pessoas repletas de informações e nos temos que ajudá-los a saber fazer o bom uso delas, ampliando a profundidade desses saberes e construindo pontes entre as áreas do conhecimento. Não devemos alimentar a farsa e a mentira, pois elas só nos afastam de nossos verdadeiros objetivos educacionais, um deles é: gerar possibilidades para os educandos, para a comunidade educativa e para todos que possuem interesse em aprender.

Obrigado por ler esse e-mail. Sinta-se a vontade de emitir opiniões sobre tais reflexões

Um grande abraço

Obs:

1 quem tiver interesse em verificar como as habilidades e as competências podem ser materializadas em sala de aula, consulte o texto escrito por Douglas Dantas e Valther Maestro nos seguintes blogs:
http://douglasdanthas.blogspot.com/2010/04/matriz-de-referencia-de-matematica-e_03.html ou http://valthermaestro.blogspot.com/2010/02/matriz-de-referencia-de-matematica-e.html;

2 - As Competências da Matemática do ENEM a partir de 2009

Construir significados para os números naturais, inteiros, racionais e reais.
Utilizar o conhecimento geométrico para realizar a leitura e a representação da realidade e agir sobre ela.
Construir noções de grandezas e medidas para a compreensão da realidade e a solução de problemas do cotidiano.
Construir noções de variação de grandezas para a compreensão da realidade e a solução de problemas do cotidiano.
Modelar e resolver problemas que envolvem variáveis socioeconômicas ou técnico-científicas, usando representações algébricas.
Interpretar informações de natureza científica e social obtidas da leitura de gráficos e tabelas, realizando previsão de tendência, extrapolação, interpolação e interpretação.
Compreender o caráter aleatório e não-determinístico dos fenômenos naturais e sociais e utilizar instrumentos adequados para medidas, determinação de amostras e cálculos de probabilidade para interpretar informações de variáveis apresentadas em uma distribuição estatística.

Valther Maestro

3 comentários:

  1. Gostaria de deixar registrado,a importância para nós educadores, em te ouvir nestas palestras, pois nos faz refletir, da nossa prática pedagógica...as verdades que ocorrem em muitas escolas, fatos até mesmo,em casa, com os nossos filhos...e pensamos, o que podemos fazer para melhorar? Como tu mesmo disse: traduzir o que meu aluno diz, ou meu filho... (Não é fácil!!!)Abraço da professora Sandra Lopes(Guaíba)

    ResponderExcluir
  2. Por minha escolha profissional venho sempre me atualizando sobre a educação matemática.Então faço das palavras do Valther as minhas. A cada dia o Valther vem surpreendendo seus leitores com textos bem elaborados e interessantes, sempre com novidades e soluções favoráveis para nossa educação*-*

    A educação é a arma mais poderosa que você pode usar para mudar o mundo.
    Nelson Mandela

    Beijões: sua fã N°1

    ResponderExcluir
  3. Sou estudante do 2º ano do ensino médio. Concordo perfeitamente com Valther, este e-mail foi uma brincadeira de muito mal gosto, feita por quem não conhece a educação de antes. A sociedade, junto com a família deve moldar um jovem, e não é desvalorizando-o e ofendendo-o desta forma que atingimos este objetivo. A matemática só torna-se difícil se o assunto fica monótono. São os métodos de ensino que devem ser revistos, pois todos alunos são inteligentes e temos de encontrar um meio de mostrar isso à eles. Só há uma boa educação se há colaboração da escola, da família e do aluno, o contato entre eles pode garantir o futuro de uma sociedade.
    abraços...

    ResponderExcluir